No dia 20 de novembro é celebrado o Dia da Consciência Negra, momento em que as discussões raciais, pertinentes por todo o ano, ganham ainda mais destaque. No âmbito do cinema, esse debate é particularmente relevante, devido às consequências reais da falta de diversidade no setor.
Um estudo, realizado pela Paramount e lançado em 2022 mostrou que, no Brasil, 23% dos negros se sentem representados como criminosos em filmes e séries. Ainda conforme a pesquisa, que entrevistou mais de 15 mil pessoas em 15 países, isso possui um impacto na saúde mental dos espectadores, e 41% afirmam ter sua autoestima e confiança impactadas e quase 60% dizem que isso os faz sentir sem importância, ignorados ou decepcionados. Gabriela Gonçalves, coordenadora de projetos de formação audiovisual da Instituição Cinema Nosso, que atua há 20 anos promovendo cursos e oficinas voltadas para o audiovisual, explica o porquê desse impacto: “Qualquer obra audiovisual tem influência direta ou indireta na construção do nosso imaginário. Por isso, o cinema tem o dever de retratar personagens negros de forma a romper com os estereótipos negativos”.
Dificuldade de inserção no setor é uma das causas
Em mais uma pesquisa sobre o tema, “A cara do cinema nacional: perfil de gênero e cor dos atores, diretores e roteiristas dos filmes brasileiros (2002-2021)”, elaborada pelo Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa (GEMAA), da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), evidencia que o Brasil mostrado nas telas do cinema é um país predominantemente branco. Apesar da população ser mais da metade da população nacional, as pessoas pretas e pardas representaram apenas 20% dos atores e atrizes que atuaram em papéis de destaque nos filmes brasileiros de maior bilheteria entre 2002 e 2020, apenas 4% do elenco principal desses filmes foi composto por mulheres pretas e pardas. E entre as funções de direção e roteiro, nenhuma mulher negra e parda exerceu tais funções, nos 240 filmes analisados.
Esse cenário é, em parte, consequência da dificuldade de se fazer cinema no Brasil: “O mercado do audiovisual brasileiro ainda é restrito e é difícil se inserir nele. É preciso que pessoas já consolidadas no mercado se atentem aos novos talentos e também se comprometam a colaborar com a formação profissional de quem inicia”, explica Gabriela.
O Cinema Nosso age com o intuito de conectar realizadoras com uma primeira experiência profissional, sempre pautado pela luta antirracista. Além de formações para o audiovisual, há também para as áreas de jogos digitais, roteiro para séries e comunicação e cultura digital. Em 2022, por meio do programa Novos Talentos, sete jovens foram introduzidos em produções da Netflix.
Na visão da Coordenadora, o conceito de diversidade se esvaziou nos últimos tempos, e é algo mais complexo do que costuma ser praticado: “Não é só o simples fato de estar. Para falar de diversidade no audiovisual precisamos entender que o protagonismo no processo de criação e produção de qualquer obra, se torna essencial. Falar de um audiovisual mais diverso racialmente, é dar nome às profissionais negras, é chamá-las para produções que não tenham apenas como pauta questões raciais, elas podem estar em qualquer projeto”. Para mudar esse cenário, a profissional aponta a necessidade do fortalecimento de instituições que trabalham na formação de jovens negras e negros, além da elaboração de políticas públicas para a inserção efetiva de profissionais negros, de modo a construir um audiovisual verdadeiramente diverso e democrático.