Um novo estudo realizado por cientistas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro aponta que a mudança climática vai ajudar o mosquito Aedes Aegypti a se proliferar no estado do Rio, com surtos de dengue ocorrendo também no inverno na região litorânea, e com a doença afetando também a região serrana no verão.
O trabalho, realizado e apresentado em um congresso neste mês, é o refinamento da simulação que o grupo vem desenvolvendo para entender a dinâmica da doença no estado. Liderada pelo geógrafo Antônio Carlos Oscar Júnior, a pesquisa está sendo usada também para montar um sistema de vigilância para a doença.
Para mapear como as doenças transmitidas pelo mosquito se comportarão com o avanço do aquecimento global, o pesquisador e seus parceiros criaram um modelo que detalha tendências distintas para cada uma das oito regiões administrativas do estado.
Rodando dois modelos matemáticos, o sistema aponta “uma intensificação do risco de dengue em todo o estado do Rio de Janeiro, incluindo a região serrada, hoje com poucos casos”, escreveram os pesquisadores em um artigo. A simulação aponta tendências que afetam, sobretudo, “estratégias de saúde pública, que ainda são baseadas na prevalência da doença só no verão e no outono”.
Para chegar a essas conclusões, o grupo de Oscar Júnior mediu a correlação da presença do mosquito e da prevalência da dengue com uma série de variáveis meteorológicas, incluindo temperatura, umidade e índice de chuvas. Usando uma versão regional de projeções do IPCC (painel do clima da ONU) para o clima global, eles conseguiram entender melhor como o clima vai afetar a presença do mosquito e a prevalência de dengue, zika e chicungunha no estado.
Segundo o cientista, as condições ótimas para proliferação do mosquito são numa faixa de temperatura de 20° a 30°C e com uma umidade suficiente para que haja a eclosão dos ovos. Ele também declarou que é preciso um mínimo de chuvas também, para criar focos de água parada, mas a chuva não pode ser muito intensa, o que causaria lixiviação, ‘lavando’ os ovos do Aedes para fora do ambiente de eclosão. Aplicando esses princípios, os cientistas mapearam o futuro do mosquito no Rio.
Um ponto chave para entender a resposta do inseto ao aquecimento global, foi o aumento do número de temperaturas mínimas, ou seja, noites quentes. Esse foi um dos principais fatores agravados na escala de tempo estudada pelo grupo, com tendências para os anos de 2040 e 2070.
O grau de preocupação com a ampliação do mosquito variou conforme estação do ano e área. A projeção de longo prazo na região da Costa Verde (que inclui Paraty e Angra) indica um risco baixo no inverno e alto no verão. Já o centro-sul fluminense (Três Rios/Vassouras) terá risco baixo no verão e médio no inverno.
Para criar uma escala de gravidade, os pesquisadores usaram categorias qualitativas, que levaram em conta também estrutura socioeconômica de cada região, incluindo acesso a saneamento básico.
Usando esse critério, os cientistas apontam que, à exceção da Costa Verde, no ano de 2070 toda a faixa litorânea fluminense deverá ter risco alto para surtos de dengue, ao longo de todo ano. A zona preocupante se estender da região metropolitana do Rio até o norte do estado, passando pela região dos Lagos.
Oscar Júnior afirma que a ideia da pesquisa é fortalecer as políticas públicas de combate à doença. Em última instância, o objetivo da projeção, que mostra um alastramento desenfreado da dengue no estado, é impedir que ela se cumpra.
“O nosso estudo usa modelagem climática, que é uma representação do futuro. A modelagem não é o futuro, e ela possui também um grau de incerteza associado, diz o cientista. Ele explica que uma margem de erro existe tanto para o lado otimista quanto para o pessimista, sobretudo porque algumas variáveis preocupantes não puderam ser incluídas no estudo. Uma delas é a capacidade biológica evolutiva do mosquito de se adaptar a novos climas, o que agravaria a situação.
A projeção do grupo da Uerj leva em conta dois cenários do IPCC para o aumento do CO2 e consequente elevação da temperatura no século XXI. Um deles é um cenário ‘inercial’, que projeta para o futuro a tendência atual de emissões, que já é preocupante. O outro é o cenário mais pessimista de aquecimento global desenfreado.
Se o planeta obtiver sucesso em manter o aumento de temperatura abaixo de 2°C, é possível que a situação no futuro fique mais próxima à atual. Mesmo com um aumento de temperatura global de 1,5°, porém, é provável que a dengue já se agrave no Rio, a exemplo do que vem ocorrendo em 2023.
Antes de chegar ao meio deste ano, o estado do Rio já registrou mais de 55 mil casos, mais que o dobro do registrado no em 2022 inteiro e já garantindo o posto de pior incidência desde 2016. Para Oscar Jr. essa ampliação, ainda que esteja dentro da variabilidade do histórico da dengue no estado, já requer um enfrentamento mais sofisticado.
Isso foi parte da motivação do grupo do pesquisador para planejar um sistema de alerta para doenças transmitidas pelo Aedes que já leva em conta previsão do tempo de curto prazo. O projeto, que tem participação do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e da Universidade Federal do Rio (UFRJ), está passando por ajustes, diz Oscar Jr.
Os mesmos parâmetros do estudo serão usados nesse sistema para projetar o risco de transmissão da dengue para cada região fluminense numa escala de até duas semanas.
“A gente está agora na fase de elaboração de um site para poder fazer a disponibilização dessa ferramenta e oferecer isso para a Secretaria de Estado de Saúde, finalizou o cientista.